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domingo, 7 de novembro de 2010

EU, LOLIPOP...

Queridos amigos e seguidores,
O Banzai é, e será sempre, um espaço que reflecte a minha paixão pelo Japão. Mas, e aqui acho que todos concordarão comigo, um blogue é como uma tela...branca no inicio, preenchida pouco a pouco com pinceladas de cor, devagarinho ganhando contornos, formas mais definidas, mas sempre um local de criação livre para o seu autor. Por isso, e porque não me passa sequer pela cabeça criar outro blogue, vou acrescentar a este uma nuance que me permita publicar uma vez na semana, qualquer coisa que, não estando ligada ao País do Sol Nascente, faça parte de mim, do que eu sou, do que eu leio, do que me preocupa, da minha paisagem mental, da minha geografia imaginária.
Inauguro hoje oficialmente este post dos Domingos:
EU, LOLIPOP...
Descobri por mero acaso, uma história que falava duma escritora Italo-Brasileira, MARINA COLASSANTI, nascida na antiga colónia Italiana da Eritreia em 1937, e a viver no Brasil desde 1948.
Fiquei deslumbrada com os poemas dela. Deixo-vos com um deles, que me parece ser uma excelente reflexão sobre a vida e o que fazemos dela.
Boa Semana!
Ternuras
LOLIPOP

Eu sei, mas não devia


Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.
A gente se acostuma a morar em apartamento de fundos
e a não ter outra vista que não seja as janelas ao redor.

E porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora.
E porque não olha para fora logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas.
E porque não abre as cortinas logo se acostuma acender mais cedo a luz.
E a medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.

A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora.
A tomar café correndo porque está atrasado.
A ler jornal no ônibus porque não pode perder tempo da viagem.
A comer sanduíche porque não dá pra almoçar.
A sair do trabalho porque já é noite.
A cochilar no ônibus porque está cansado.
A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.

A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra.
E aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja número para os mortos.
E aceitando os números aceita não acreditar nas negociações de paz,
aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração.

A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir.
A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta.
A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.
A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita.
A lutar para ganhar o dinheiro com que pagar.

E a ganhar menos do que precisa.
E a fazer filas para pagar.
E a pagar mais do que as coisas valem.
E a saber que cada vez pagará mais.
E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas que se cobra.

A gente se acostuma a andar na rua e a ver cartazes.
A abrir as revistas e a ver anúncios.
A ligar a televisão e a ver comerciais.
A ir ao cinema e engolir publicidade.
A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.
A gente se acostuma à poluição.

As salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro.
A luz artificial de ligeiro tremor.
Ao choque que os olhos levam na luz natural.
Às bactérias da água potável.
A contaminação da água do mar.
A lenta morte dos rios.

Se acostuma a não ouvir o passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães,
a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.
A gente se acostuma a coisas demais para não sofrer.

Em doses pequenas, tentando não perceber, vai se afastando uma dor aqui,
um ressentimento ali, uma revolta acolá.
Se o cinema está cheio a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço.
Se a praia está contaminada a gente só molha os pés e sua no resto do corpo.


Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana.
E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo
e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.


A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele.
Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se
da faca e da baioneta, para poupar o peito.
A gente se acostuma para poupar a vida que aos poucos se gasta e, que gasta,
de tanto acostumar, se perde de si mesma.

Marina Colassanti

30 comentários:

She disse...

Ei queridaaaaa adorei o post, eu adoro a cultura e curiosidades do Japão... É tudo muito rico!
Beijo, beijo!
She

Beatriz - Jubiart disse...

Boa idéia - LOLIPOP!

Conheci Marina Colassanti em 2003, num congresso, além de excelente escritora, é uma ótima contadora de histórias encantadoras...

Inauguraste seu domingo novo com louvor!

Bjs,

Bia.

Fernanda Ferreira - Ná disse...

Sweet Loli!

Adorei a ideia!
Hoje ambas saímos da rotina.
Curiosamente quando me lembrei do conto, sabia que já o tinha lido noutra versão, só depois me lembrei que tinha sido aqui.
Acho até que foi a primeira leitura minha aqui feita e o meu primeiro comentário.
Felizmente tenho amigos, uns mais próximos do que outros, mas tenho sim.
A americana de que falo mesmo, a que conta muitas "jokes", existe mesmo, mas nem tem a minha cara :))) nem se chama Sarah, é a Rebecca Brewer.
Mas sabes como é, não posso expor as pessoas e citar nomes.
É melhor assim.

Amiga, amei o poema, mas também eu o li esta semana, acreditas???????
Amei! Claro!!!

Esqueci-me de te dizer que falarei com a Maria José, ou melhor ainda, vou-te mandar o e-mail dela, ok?
Ela é um amor, alguém de quem tu gostarias muito, tenho a certeza.

Beijos

Desabafando disse...

Não deveríamos nos acostumar com certas coisas né? Mas infelizmente nos acostumamos e vamos deixando a vida passar.

Rogério G.V. Pereira disse...

Só não percebi
Se Mariana se rendeu
Se acostumou
Se a si mesma se perdeu
Se ela não gritou
Então minha amiga
Grito eu
(e vou lá chegar
abrindo suas janelas
de par em par)

Beijinho

Beth/Lilás disse...

Querida Lolipop!
Tua idéia está fantástica e eu a acompanharei por aqui sempre aos domingos também. Gostaria mais de saber o que faz e pensa, mais da pessoa que já admiro sem ver pessoalmente, mas que virtualmente parece-me um ser delicado e ligado às coisas boas e belas da vida.
O texto de Marina Colassanti é lindo, lindo! Eu já o conhecia, claro, afinal ela é uma de nossas melhores escritoras contemporâneas e fico feliz de saber que você a descobriu por aí.
Li de novo, em voz alta para meu marido que se identificou em algumas linhas do mesmo e acho, todos nós nos identificamos com o que ela diz, pois o tempo passa e as vidas neste mundo todo é sempre muito parecidas.
um grande abraço carioca

Lívia Azzi disse...

Querida Loli,

Idéia aprovada e aplaudida. Com toda certeza, iremos expandir junto com você para além do Japão, país que aprendi a conhecer e admirar aqui no "Banzai" e no “Lost in Japan” do nosso querido Alexandre. Sinto que os domingos aqui serão um agradabilíssimo convite de volta ao mundo do pensamento, das palavras e dos sentimentos.

Marina Colassanti, brilhantemente aponta contestação diante de um cotidiano banalizado, acortinado e sufocante que todos nos estamos sujeitos em vário momentos de nossas vidas, e o que fazer?

Alguns escolhem a arte, outros filosofam, compartilham idéias, contestam entre amigos, lêem, escrevem e até mesmo fazem um misto de tudo isso.

Eu tenho aprendido muito, nesses espaços encantadores dos nossos amigos da blogosfera, podemos interagir entre nossas questões e refletir muitas outras em uma troca constante e enriquecedora: "preenchida pouco a pouco com pinceladas de cor".

Esse espaço virtual é também um processo terapêutico, de aprendizagem e de valorização de diferentes culturas. E, além disso, um ambiente de estranhamento e indagação que contribui em boa medida para não irmos nos "acostumando com o que não deveríamos nos acostumar"...

Um beijo e uma excelente semana!

Lu Nogfer disse...

Loli minha querida!

Amo seus postes sobre o Japao mas adorei a ideia pois vindo de voce tudo ficara lindo e fabuloso nesse cantinho como tem sido!

Fantastico o poema tanto quanto verdadeiro!
Por puro comodismo, acostumamos com muitas coisas e uma coisa vai puxando a outra!Nao deveriamos sermos tao acomodados!

Parabens pela belíssima inauguraçao!

Beijos com carinho!

Bah disse...

Esse negóci de se acostumar com as coisas sempre me incomodou, acho até que por isso estou na situação que estou.Procuro sempre fazer as coisas que me fazem feliz, mas não querendo me acostumar só porque as coisas estão estáveis...

Kisu!

Irene Moreira disse...

Loli minha amiga
Amei cada frase aqi colocada nesgte post e dita Marina Colassanti. Retrato fiel da vida nas grandes cidades.

Desculpe se só agora venho te visitar, mas foi um finalde seman a corrido e com projets a terminar.
Fostes a primeira a visitar e enquanto os olhos não sentirem estou a passear nesta Blogosfera.

Adorei a idéia dos domingos. Vou virar freguesa

Beijos e uma linda semana

Wanderley Elian Lima disse...

Olá Loli
É sempre bom a gente acrescentar algo novo no blog, assim além do Japão vamos saber um pouquinho mais sobre o seu gosto. Adore esse texto, ela é antigo mas está sempre atual.
Bjux

disse...

Minha querida Margarida, pura emoção esse seu post. Sabes que tenho contra esse "acostumar", uma batalha diária. Procuro não me permitir. Ele evita o movimento a mudança. Será como sempre, um grande prazer conhecer mais sobre você e sua forma de pensar. Você tem muito a nos dizer. Bjoss

Denise disse...

Oi minha linda!

Belíssima reflexão!!!

Retrata fielmente o nosso cotidiano.

Queria poder viver intensamente a cada minuto, sem se preocupar com o amanhã...

Bjinhos!

Vitor Chuva disse...

Olá, Margarida!

Acho que faz muito bem em diversificar em relação ao que escolhe trazer até aqui; certamente que,assim, interessará a mais gente a leitura do blogue.

Nós somos, mesmo,um animal de hábitos; habituamo-nos mesmo ao que não devíamos, e, pior ainda, ao que achamos não estar certo, mas ainda assim, não mudamos de hábitos...

Beijinhos; boa semana.
Vitor

Lu disse...

Oi querida,gostei desse espaço que você abriu no blog.
esse poema é uma grande verdade,acostuma-se com muitas coisas até com o que não se deveria como violencia e corrupção.
Uma semana maravilhosa para você
Beijos Lu

Élys disse...

Sempre é bom diversificar um pouco. Gostei desta sua idéia.
Quanto ao poema de Marina Colassanti é muito bonito, já o conhecia, mas é sempre bom reler e meditar quando o texto tem esta qualidade.
Beijos

Michelle Lynn disse...

E se acostuma a ficar longe dos amigos. Se acostuma a viver cada vez mais sozinho. Se acostuma com a solidão...

Precisava ler esse texto!!!

Que bom que apareceu!! Vc viu o Thu, mãe coruja sabe como é... hehehe...

Te adoro muito!!
Bjoss,
Mi

. disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anónimo disse...

Oi Margarida! Achei otima a sua ideia dos posts de domingo, vou juntar a vc quando as coisas por aqui se normalizarem... a estória do meu computador já esta me dando dor de cabeça.. o de mesa estragou de vez, comprei um notebook com o dinheiro que estava juntando, mais é a segunda vez que mando ele pra autorizada, ninguém merece, enfim um dia acaba essa dor de cabeça!! hoje que estou entrando na net dês de quinta feira passada. Por um lado foi bom pois estou menos grudado com a internet, nao estou ficando mais abafado quando fico sem computador!!

ps: é muito triste quando não conseguimos fazer ou impedir alguma coisa, como a morte daquela mulçumana shekinah ou a morte de arvores e animais, fico frustado com isso... mais é o mundo.. Lembro-me da passagem quando Jesus disse 'quem não tiver nenhum pecado que atire a primeira pedra -joao capitulo 8'.. bjs e abraços!

Anne Lieri disse...

Oi Lolipop!Seu blog é muito zen,muito bonito!Me identifiquei com sua mensagem postada da Marina!Uma grande reflexão dessa maravilhosa escritora!Obrigada por sua visita tb!Vc é muito gentil!Bjs,

Nilce disse...

O blg é seu minha linda, e eu apoio muito sua brilhante ideia. Vai ser ótimo saber mais sobre você.
Marina é mesmo espetacular e este texto diz tudo para o que você iniciou no blog.
Que delícia, Margarida-Lolipop aos domingos. Se eu perder, venho na segunda, tá?

Bjs no coração!

Nilce

Maria Helena disse...

Olá, querida amiga!
Amo os seus comentários. Eles são cheios de sabedoria. Obrigada plo presente desta postagem de Marina Colassanti que nos evidencia verdades que insistimos em não ver no dia a dia.
Uma ótima semana pra você e muito obrigada pelo carinho!
Beijos!

diariodumapsi disse...

Ei Loly!
Vou adorar saber mais de você!
Lindo poema da Marina Colasanti.
tenha uma semana de luz!
Gd beijo

Fernanda Ferreira - Ná disse...

Loli!Sweet friend!

Vou estar mais ausente, não estranhes, sabes das razões e voltarei sempre que puder, já sabes!

Amiga, já há tempos que me pergunto o que será feito do nosso amigo Hamilton?
Sabes de algo?
Diz-me!

beijos
Volto logo.

Carla Farinazzi disse...

Lolipop,

Adoro esse texto da Marina Colassanti. Como é verdadeiro, porque acho que na essência, o ser humano é capaz de se acostumar com tudo. Com qualquer coisa. Condições adversas e comportamentos estúpidos. Com a degradação e com a falta de amor.
Isso é triste. Mas esse texto mexe lá no fundo dizendo justamente o contrário. Fazendo a gente pensar justamente o contrário, ou seja, como é revoltante se acostumar com condições e coisas ruins.

Beijos, e obrigada por me fazer lembrar disso.

Carla

Anónimo disse...

A gente se acostuma a ficar mal acostumado...
Texto excelente.
Beijos na alma!

Glorinha L de Lion disse...

Oi querida, a vida tem sido isso...respirar, sobreviver, enquanto a Vida, a verdadeira, corre lá fora...beijos.

Betty Gaeta disse...

Oi Margarida,
Amei a postagem, amo a Marina.
Bjkas e uma ótima 3ª-feira para vc.

http://gostodistonew.blogspot.com/

Tati disse...

Oi Lolipop, ela é incrível mesmo. No Brasil é muito reverenciada.
Fiquei feliz em vê-la inaugurar o espaço Eu, Lolipop com um texto dela. Como mulher brasileira, fiquei honrada!
Beijos.

Especialmente Gaspas disse...

Que boa ideia... venham os Domingos :)

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