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quarta-feira, 12 de maio de 2010

BASHÔ E A BORBOLETA

"Nunca me tinha apercebido de que o oriente me era estranho até receber, numa carta que vinha de França, uma borboleta viva dentro dum envelope. (...)
Para quem não me conhece, será útil explicar que o meu desinteresse pelo oriente me vem do facto de ter lido há muitos anos um livro de Bashô, que trata de uma estrada estreita para o Norte profundo. Segui essa estrada, detendo-me em cada paragem que o poeta me indicava; mas eram tantas que ainda hoje estou a caminho do Norte, e sei que nunca aí chegarei porque Bashô me obriga a parar de cada vez que penso ter começado a ganhar balanço para avançar, sem a tentação de ficar a olhar para os pardais, para as cerejeiras que florescem a cada passo, para a neve no cume das montanhas. (...)
 Não é que não goste de caminhar; o que acontece é que não sei andar devagar, e muito menos de ser obrigado a essas pausas poéticas que, sendo boas para o ritmo da narrativa em Bashô, não ajudam a essa ginástica que o Ramalho Ortigão recomendava para que adquiríssemos a boa forma dos nórdicos. (...) Não estou, no entanto, a comparar o Ramalho com o Bashô. O que estou a dizer é que ambos nos conduzem ao Norte, embora o Ramalho faça com que lá cheguemos rapidamente, e o Bashô nos impeça de lá chegar.

 O que queria de mim aquela borboleta ou quem quer que a tivesse enviado? Não havia já dúvidas no meu espirito sobre este assunto. Alguém, que saberia da minha animosidade antiga para com o oriente, e que estaria dentro do segredo de eu ter deixado limpo de sublinhados o livro de Bashô, queria obrigar-me a voltar a ele, e acabar de o ler. O problema, agora, já não estava no próprio livro, onde a cada página eu encontrava um obstáculo que me impedia de avançar: era essa borboleta que mão anónima me enviara...

 ...que, ao ver que eu voltava uma página, voava à minha frente, obrigando-me a fechá-la e, pior ainda, a distrair-me do que tinha lido, fazendo com que tivesse de voltar atrás. O que a borboleta me dizia, agora, é que eu tinha de facto de fazer o caminho ao contrário, se queria seguir o caminho de Bashô para o Norte profundo, e de ler o livro não do principio para o fim, como fazemos no ocidente, mas do fim para o principio, como se faz com a escrita do oriente. E de cada vez que abro um livro, seja ele do ocidente ou do oriente, a borboleta passa-me pela frente, e tudo recomeça."
Texto de Nuno Júdice in EGOÍSTA, Março de 2010
Este texto é dedicado á ÂNGELA, minha amiga Brasileira de coração grande, com um blogue lindo, coisinhasdeGe ...

3 comentários:

disse...

Olá!!! Que blog delicado!!! Cheguei por indicação da Ângela e que ótima indicação. Um dia, ouvi de um professor, o Brasil tem 510 anos, o Japão recicla lixo a mais de 300. Então, muito temos a aprender e pelo que percebi pelo seus textos, tens muito a falar. Bjosss

tia Ném disse...

Olá, estive no blog da minha amiga Angela. Não resisti...vim correndo...prá cá. Eu adoro conhecer pessoas, novas culturas, visito blogs para ler, gosto muito. Angela e eu somos bem parecidas, não nos conhecemos pessoalmente mas, já dá prá perceber, rsrsrs. Lindo texto, nos faz refletir bastante. Vou te seguir para visitá-la sempre!
Às vezes, precisamos ser como as borboletas(curiosas), buscando sempre jardins diferentes para pousar em flores variadas. É o que procuro fazer por aqui...com 2meses de blog parei com terapia, economizei 150,00 por semana, parei com medicamentos. Quer mais??? Já estou te seguindo... estou trocando as roupinhas do meu blog, vc irá conhecê-lo novinho...venha conhecer meu cantinho...vou te esperar, viu!

Bjs: Tia Ném.

Ângela disse...

Minha querida, primeiro me perdoe por não ter lido este maravilhoso texto, e em segundo obrigada pela dedicação. Margarida, pessoas como você só nos acrescentam, e é disso que precisamos, tenho esperanças de um dia poder aos poucos conhecer pessoalmente as amizades que tenho feito por aqui, você com certeza seria uma delas, e estas duas pessoas que vieram aqui, a Rê e a Ném são outras, aliás minha listinha já esta bem grande, é um prazer imenso ter conhecido você, continue escrevendo e nos mostrando o que gosta, com certeza vou gostar também. As vezes vou vir e apenas farei um comentário rapidinho, mas com certeza voltarei com tempo e ficarei a ler sem me cansar.

beijokas com muito carinho.

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